Era uma noite de brilho e ritmo latino, e Marina finalmente cedeu às tentativas de Melina de "socializar". Após anos de escassez de beijos e uma certa seca amorosa, ela sentia que talvez estivesse na hora de dar uma chance para a vida noturna outra vez. Juntas, Marina e Melina chegaram ao salão de salsa, onde o cheiro de margaritas misturava-se ao som envolvente dos tambores e guitarras. Já lá dentro, elas encontraram Augusto e Dona Lindoca em um cantinho, segurando, cada um, uma jarra gigante de margarita — uma para cada mão.
— Olha quem resolveu dar as caras na pista! — gritou Augusto, acenando com uma das jarras para Marina.
— Vocês chegaram cedo, hein? — disse Marina, rindo enquanto Melina olhava ao redor.
— Querida, eu já to no meu terceiro giro de “Arriba, abajo, al centro, pa’ dentro!” — respondeu Dona Lindoca, fazendo um brinde com Augusto.
— E alguém aqui precisa de um mambo! — gritou Augusto, virando-se para a banda. — MAMBOOO!
A banda, que estava no meio de uma salsa mais clássica, ignorou os gritos e continuou tocando. Mas Marina mal reparou, pois seus olhos tinham pousado em João Padrão, um estudante universitário com um sorriso encantador, que a olhava do outro lado do salão.
— Olha lá, Marina! — disse Melina, percebendo o olhar da amiga. — Esse aí tem cara de recém-saído do ensino médio, hein?
— Ai, Melina, não seja chata… É só um papo, né? — disse Marina, revirando os olhos, mas sorrindo. — Vai que…
João se aproximou, o sorriso aumentando, e ao chegar mais perto, exclamou:
— Meu Deus, você tem cara de… sei lá, vinte anos?
Marina riu, deliciada com o elogio inesperado.
— Ah, obrigada… Mas, na verdade, tenho um pouquinho mais, viu?
Ele riu também, mas manteve o tom confiante.
— Vinte e um, então? — ele disse, piscando.
Antes que Marina pudesse responder, Melina se meteu entre os dois.
— Ai, que fofinho! — disse ela, com um sorriso que parecia mais um escudo. — João, quem sabe você não quis dizer 20 anos... em cada uma das pernas da Marina?
Marina olhou para Melina, incrédula, enquanto João tentava entender o comentário.
— Ah, então, Marina… o que acha de dançarmos? — insistiu João, ignorando Melina e estendendo a mão para Marina.
— Acho uma ótima ideia! — respondeu Marina, ignorando a cara desapontada de Melina.
Enquanto dançavam, Augusto e Dona Lindoca, inspirados pelas margaritas, avançaram para a frente do palco, exigindo:
— EU JÁ DISSE MAMBO! Toca um mambo caliente pra minha amiga aqui! — gritou Dona Lindoca, apontando para Augusto que dançava desengonçadamente, mas com um sorriso tão grande que o próprio percussionista da banda deu uma risadinha.
— Essa é a dança! Vamos a bailar, muchachos! — disse Augusto, fazendo um movimento nada ritmado com as pernas e braços, que logo fez Dona Lindoca acompanhá-lo.
De repente, o baterista atendeu ao pedido e começou a tocar um mambo acelerado. Augusto e Dona Lindoca começaram a girar e fazer passos exagerados na pista, atraindo a atenção de todos.
Enquanto isso, Melina, vendo Marina rindo e dançando com João, lançou seu último golpe:
— Então, João, você sabia que Marina tem muito mais experiência de vida do que parece, né? — disse, quase berrando sobre a música. — Uma mulher com tanta maturidade é difícil de encontrar!
Marina, sem conseguir aguentar, parou e deu uma piscadela para João:
— Não liga pra ela, João. Ela tem esse “talento” pra me encalhar… Vamos, me mostra o que você tem!
E com isso, Marina e João voltaram à dança, enquanto Augusto e Dona Lindoca, já levemente bêbados, deram um show particular de passos de mambo. Enquanto Marina e João Padrão se aproximavam, os olhos de Melina quase soltavam faíscas de indignação. No ritmo da música, eles dançavam juntos, os rostos a milímetros um do outro, até que finalmente aconteceu: Marina e João se beijaram, com toda a intensidade de anos de escassez amorosa da parte dela.
A reação de Melina não foi exatamente discreta. Com os punhos cerrados e o rosto vermelho, ela avançou como um furacão de zanga.
— Marina! — gritou, interrompendo a dança. — O que é isso?! Você mal conhece o garoto, e já está se jogando pra cima dele!
— Melina, calma — disse Marina, visivelmente sem paciência. — Não tô jogada coisa nenhuma! Tô só... aproveitando o momento.
Mas Melina não quis saber de conversa e continuou:
— Eu achei que você estivesse buscando algo... sério. Um compromisso, um namorado que te respeite! Olha esse garoto, ainda tem espinhas no rosto! Tá te tratando como uma… adolescente!
Nesse momento, Augusto e Dona Lindoca, já animadíssimos e com tequilas fluindo como água, perceberam a confusão.
— Ah, não! Chegou a Encalhação Personificada. Vou resolver isso agora — disse Augusto, cambaleando em direção a Melina e segurando-a pelos ombros.
— Olha, Melina, escuta aqui… — começou ele, tentando focar na amiga enquanto lutava para equilibrar-se. — A Marina é uma adulta e sabe o que tá fazendo! Aliás, faz milênios que ela não tem um beijo desses, né?
— Exatamente! — reforçou Dona Lindoca, dando um soluço de tequila. — Deixa a menina beijar em paz, mulher! Vai atrapalhar os outros pra lá!
Melina tentou escapar das mãos de Augusto e ir até Marina, mas Dona Lindoca colocou-se firmemente entre as duas.
— Olha, minha amiga, você precisa de uma margarita extra forte! Vou lá buscar pra você e já volto.
Mas Melina recusou, com uma expressão irritada.
— Vocês não entendem! Eu só estou protegendo a Marina. Esse garoto é um aproveitador!
— Aproveitador nada, querida! Aproveitadora é ela, que tá aproveitando a vida — respondeu Augusto, lançando um olhar cúmplice para Marina, que ria enquanto João lhe beijava a testa.
Finalmente, Augusto e Dona Lindoca decidiram arrastar Melina até a pista de dança, onde os dois resolveram dançar para distraí-la da cena. Ainda relutante, Melina foi, resignada, enquanto Marina e João continuavam o beijo em paz.
A noite seguiu alegre e cheia de dança, com Marina redescobrindo a paixão esquecida, enquanto Augusto e Dona Lindoca usaram de toda a tequila para "exorcizar" o espírito encalhadeiro de Melina. Após uma noite que já tinha de tudo – paixão, tequila e dança –, a tensão entre Marina e Melina finalmente chegou ao ponto de ebulição.
No caminho do estacionamento, Melina decidiu que não ia mais segurar sua indignação e, de braços cruzados e testa franzida, foi direto a Marina, interrompendo seu momento com João Padrão.
— Então é assim? Um cara qualquer vem, te joga uns olhares e você cai que nem uma patinha?! Achei que você era mais inteligente!
Marina respirou fundo, tentando manter a calma, mas o sangue já lhe subia à cabeça. Os olhos, antes suaves, brilharam com uma determinação que Melina raramente via.
— Olha, Melina, quer saber? Eu tô cansada de você metendo o bedelho em tudo o que eu faço! — respondeu Marina, com a voz firme. — Sério mesmo, você não aguenta ver os outros felizes?
— Felizes? — Melina riu, sarcástica. — Você acha mesmo que essa “felicidade” vai durar? Ele nem sabe que você tem trinta e...
— Ei, ei, ei! — interrompeu Augusto, mais alterado do que nunca e segurando um copo de margarita que chacoalhava sem parar. — Um brinde às mulheres autossuficientes, que não dependem de homem, mas também não recusam um bom beijo!
Dona Lindoca, que já estava em um estado avançado de euforia, gritou, segurando o riso e apontando para Melina.
— Amiga, você precisa é de um banho de humildade! Aliás, quem sabe uma chuveirada geral? — ela ergueu o copo com tequila, já cambaleante.
A discussão entre Marina e Melina seguiu, com as duas se aproximando cada vez mais, quase coladas uma na outra, enquanto Augusto e Dona Lindoca assistiam com expressões boquiabertas, completamente envolvidos pela situação.
— Você é patética, Marina! — Melina cuspiu as palavras. — Vai cair do cavalo rapidinho quando esse moleque sair correndo.
Antes que Marina pudesse responder, Dona Lindoca deu um passo cambaleante para frente e, como se estivesse ensaiando para o momento há anos, seu rosto ficou pálido.
— Acho que… o meu estômago… — ela tentou segurar, mas não teve jeito.
Com um "arremesso" poderoso e absolutamente inesperado, Dona Lindoca projetou um jato de vômito direto sobre Melina, que ficou congelada de horror, a margarita escorrendo em lágrimas verdes pela blusa dela.
Augusto, segurando uma gargalhada, bateu palmas e berrou, enquanto tentava se manter em pé:
— Essa é a minha amiga, La Vómito! O show não podia terminar melhor!
Marina, segurando o riso, enquanto João Padrão observava tudo sem entender direito o que estava acontecendo, deu um passo para trás e respirou fundo, tentando não gargalhar.
— Ah, Melina, só pra constar: você é mesmo uma péssima amiga, mas, agora, pelo menos está limpinha! — disse Marina, com um sorriso irônico.
Melina, em um misto de choque e raiva, saiu correndo em direção ao banheiro, murmurando insultos entre dentes, enquanto Marina, Augusto e Dona Lindoca se abraçavam, rindo como crianças e tentando ignorar o cheiro forte que pairava no ar.
João, que até então assistia a tudo em silêncio, apenas comentou:
— Olha, eu sempre achei que festas de salsa fossem animadas, mas… vocês superaram todas as minhas expectativas.